O que é “Dançar na caverna – Bailar en la Cueva”? Por que ” na caverna – en la cueva”?
“Bailar en la cueva” (Dançar na caverna) é uma comemoração à dança e à música como determinantes de nossa identidade humana. Reunidos ao redor do fogo para manter o ritmo em grupo é algo que provavelmente fizemos, inclusive, antes de existir uma linguagem estruturada. Há muitos anos atrás antes de conhecermos a agricultura (talvez 30.000 anos antes) já construíamos flautas de osso. Hoje em dia continuamos nos reunindo para fazer música e dança em todos os círculos sociais de todas as culturas, sem exceção. Deve ter alguma vantagem evolutiva para que a mantenhamos por dezenas, talvez centenas de milhares de anos.
A nível pessoal, é uma tentativa de recuperar a relação entre minhas músicas e a dança. É um disco dançante em sua maior parte. Eu fui criado em um país em plena ditadura, onde não se dançava porque era mal visto tanto pelo regime militar como pelo círculo de intelectuais de esquerda no qual cresci. Cheguei a colocar numa música “los músicos no bailamos– Nós músicos não dançamos… ” Bom, essa idéia, acabou!
Como foi a gravação? Por que na Colômbia?
Meu avô materno morou muitos anos na Colômbia e me trazia fitas cassetes de “Vallenatos” de Alejo Durán. Cresci sempre com vontade de ver isso de perto. Fomos à Colômbia com a equipe de base, Carles “Campi” Campón e Sebastián Merlín, procurando algo que não tínhamos encontrado de forma tão clara em nenhum outro país da América Latina. Algo que tem a ver com a coexistência viva e palpitante entre a música de raíz (no caso da Colômbia, AS músicas, porque é um continente musical por si só) e a modernidade. Trabalhamos orientados pelo grande Mario Galeano do Frente Cumbiero que nos apresentou uma coletânea de músicos colombianos que se movimentavam no cruzamento entre a tradição e a eletrônica. Em Bogotá nos sentimos em casa tanto nos aspectos artísticos como humanos. Amamos o cenário musical atual de lá.
Mas na realidade, o disco é mais que uma relação com a Colômbia, é uma abertura a todo o continente. Nos últimos 4 anos percorri toda a América Latina várias vezes e aprendi a me reconhecer nela. A assumir com grande alegria que eu, musicalmente, sou também isso. Há claras referências à Venezuela (“La luna de Rasquí”, dedicada a Simón Díaz), “Bolivia” (a música), Chile (na presença de Ana Tijoux), à Peru em relação ao som de Los Destellos e à cumbia peruana, ao México no ar (*na mídia?) com a “ranchera” (música típica mexicana) de “Todo cae”, ao Brasil, com a presença de Caetano Veloso, à Porto Rico com a produção de Eduardo Cabra “Visitante” de Calle 13 e os arranjos de sopro de Edgar Abraham, à Costa Rica, com o encontro de Walter Ferguson e à Colômbia, sobretudo pela presença de Li Saumet e Julián Salazar de Bomba Estéreo. Além das minhas referências habituais rioplatenses, o disco é uma espécie de diário de viagem dos meus últimos anos; de novos lugares nos quais me sinto em casa.
Em que você se inspirou na hora de escrever suas músicas?
Como a ideia era fazer um disco para o corpo (além da emoção e da razão) nos concentramos no trabalho a partir do groove. Trabalhamos o ritmo especialmente com percusionistas colombianos. Grande parte das músicas surgiram do ritmo. É um disco em que, quase sempre, as letras são mais sintéticas, mais concretas e breves que nos anteriores. Em quase todas as músicas deixei de fora metade da letra e a metade dos acordes. A intenção foi de ampliar o mundo das emoções e o intelecto, onde me movimento com mais conforto, e colocar as músicas num plano mais físico: escrevê-las a partir da base. Eu fui para a praia de Somo, em Cantabria, ao norte da Espanha onde eu fiquei só, compondo, uma semana de Setembro. Então o disco começou a tomar forma e surgiram várias das músicas.
Como surge a participação de Caetano Veloso?
Caetano estava apresentando seu maravilhoso disco “Abraçaço” em Bogotá e fomos ver o show. Ele nos convidou para jantar em uma noite que não esquecerei e alguém perguntou ao jantar: “Quando será a participação de vocês dois?” Caetano respondeu que adoraria e eu falei “Você está falando sério?” E ali mesmo eu o convidei! Em “Bolivia” eu precisava de uma voz com uma alta expressividade e autoridade humana e artística que somente Caetano Veloso pode dar, uma das minhas principais referências e, para mim, o maior personagem vivo da música Iberoamericana.
Ele gravou logo sua voz, no Rio de Janeiro, sob a supervisão do seu filho Moreno, que ao me enviar a música, comentou “Gostei muito da sua cumbia tropicalista”. Acho que isso a define muito bem.
Qual é a sua música preferida do novo disco?
Tem uma que não sei se é a minha preferida, mas que eu gosto especialmente por vários motivos: “Bolivia”.
Fala da saída da Alemanha do meu pai de 4 anos e dos meus avós, em 1939, fugindo do terror nazista. Em janeiro daquele ano todas as chancelarias latino – americanas decidiram parar de dar vistos por alguns meses aos refugiados que tentavam escapar. Todos os países, menos Bolivia, que foi o único país que recebeu a minha família em um ato de coragem e generosidade. Minha família morou em Oruro por 8 anos. Meu bisavô morreu na Bolivia, meu tio nasceu lá… Quando há um ano fui tocar na Bolivia pela primeira vez, eu o fiz com muita gratidão e muita emoção. Logo em seguida escrevi a letra da música e que acabei de musicalizar nos dias em que fiquei compondo isolado na praia de Somo.
Estão anunciando uma longa turnê. Como serão os shows?
A ideia é que sejam shows mais abrangentes que os anteriores. Para ser visto de pé, inclusive durante grande parte dele. Uso meu maravilhoso grupo de 3 instrumentistas de sopro e um ritmo bem reforçado. Nós teremos muita atenção, como em “Mundo Abisal”, com a paisagem de luz e som. Como sempre, além de tocar músicas novas, tentaremos usar as músicas anteriores com o mundo sonoro mais rítmico de “BAILAR EN LA CUEVA”.
Duas horas de comunhão através da música, o texto e a dança. Nada que nossa espécie não venha estado fazendo desde a Pré – História.
Desde seu último disco até hoje, você protagonizou um filme, estreou um balet que leva sua música, compôs para o cinema, você fez um Aplicativo inovador e não parou de se apresentar na Espanha e América com os seus shows. Que balanço você faz dessa época?
Foram anos maravilhosos de busca e expansão. De abrir caminho para várias direções, procurando os limites das coisas que eu gosto de fazer. Desde entrar no meu Twitter, @drexlerjorge, na métrica da poesia breve até ser um Divulgador do Carnaval de Cádiz. Um desafio e uma grande honra descomunal para um montevideano.
A aventura do Aplicativo “n” me concedeu, além do trabalho equivalente a um álbum inteiro, a vibrante sensação de estar abrindo um caminho absolutamente novo, de algo que ainda não tinha feito antes com músicas. “n”, foi um projeto combinatorio tendo como base ideias quase matemáticas, bem cerebral e que exigia muita paciência e planejamento.
De alguma forma “BAILAR EN LA CUEVA” é a busca no sentido contrário: buscar de forma direta, imediata, uma relação emocional com coisas como o movimento e a música, que nós sempre temos feito. Músicas sintéticas onde os pés e as emoções mandam mais que o cérebro.
A música, segundo a maioria das pessoas do setor da indústria, está atravessando um momento delicado. O que você pensa sobre isso?
Delicado não é necesariamente um mau adjetivo. Esta é uma época de mudanças em tudo. De mudança de paradigma, em geral. A música não pode estar alheia a isso. Do ponto de vista criativo, não consigo imaginar uma fase mais interessante para fazer música do que esta. Todas as ferramentas estão ao seu alcance. Se alguém conseguir manter o foco na enxurrada de informações e aprender a distinguir e se aprofundar nas coisas, pode tirar proveito deste momento expansivo.
No que diz respeito à indústria musical, sempre que uma nova tecnologia aparece há mudanças bastante grandes que leva tempo para serem assimiladas. Neste caso, num mundo que cada vez mais vive de ideias, trata -se simplesmente (embora não seja nada simples) de encontrar uma via legal sensata e realista, para que aqueles que produzem estas ideias possam cobrar por isso e assim continuarem a se dedicar criando essas ideias. A cultura é o perfume de nossa espécie. Cuidemos dos perfumistas.